terça-feira, 5 de agosto de 2008

Na mochila

Na mochila levei três camisas - uma pra 10h de sol, outra para os 30 minutos de banho de chuva, outra pra 8h de sono - três bermudas, três cuecas, uma sunga, uma toalha, três pacotes de miojo e mantimentos de higiene pessoal e bom convívio social. A mala ficou cheia, como se fosse para não voltar tão cedo. Com uma das alças solta, tive que segurar a mochila com as mãos para que ela não caísse para um lado. Imagino que fiquei com um ar de menino-moço que carrega firmemente sua vida estudantil atrás das costas e cantarola mentalmente uma canção qualquer e pensa no seu amor platônico de 2 anos.

Na mochila, levei tudo amontado e dobrado em três compartimentos. dois ficaram vazios. Sem o toque de mãe, que conseguiria distribuir tudo aquilo em metade do espaço e ainda colocaria mais três toalhas, duas camisas, dois pacotes de bolacha e um protetor solar para eu não usar, mas me sentir preparado para as bombações do verão.

Na mochila não levei mutas cores, porque as camisas bermudas cuecas sungas são no geral sóbrias, cinzas, pretas. Não levei passaporte porque não tenho coragem para seguir suas possibilidades. Não levei bússola porque minhas andanças sempre seguem os passos de outros tantos e isso me deixa um tanto frustrado. Não levei o abraço de despedida de pai e mãe porque eles não estavam lá para arrumar a minha mochila. Não levei uma foto daquela moça, porque não tenho. Não levei a saudade dela, porque teria que tirar todas as roupas, acessórios e comidas, comprar outra mochila e pegar um saco de plástico para caber tudo.

Na mochila levei, além de tudo, os sonhos de uma vida aventureira que nunca tive. Só tenho a mochila. Ela me faz andar com um semblante de dor nas costas e cansaço resignado, típico das pessoas que rodam as esquinas do mundo sem querer passar duas vezes pelo mesmo ponto.

A mochila é o que tenho de uma geração que não vivi, de um país que não conheci, de ideiais que sempre compartilhei por coincidência. E quem sabe ande ande ande até encontrar o que eles encontraram depois de tanto andar. E se ainda tiver forças, quem sabe ande ande ande mais para encontrar o que eles não encontraram depois de parar.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Procura-se uma sacada

Saquei um dia, olhando pro alto. E pra dentro. Uma sacada: era o que me faltava para ser feliz.

No meu apartamento não tem sacada(s), ele gira-sala-banheiro-corredor-cozinha-cachorro no caminho-corredor-quartos-banheiro-sala. A volta termina meio quadrada, naquela arquitetura que deve ter uns 40 anos - época em que montar numa lembreta era um puta trip, broto.

O fato é que saquei que é bem mais fácil se ter grandes sacadas quando se tem uma sacada, saca?

Por isso que os filmes europeus têm todo aquele ar de intelectualidade descomprometida, natural, só um suspiro entre a pornografia soft e a mais conceituada reflexão existencialista. Nesses filmes, corta a cena, tá lá: a sacada. É lá que os personagens fumam, geralmente com cara de pós-coito mal resolvido ou picolé-de-chuchu, olhando para o nada, enquanto narram o futuro num insight super bem fotografado.

A sacada é também o caminho mais curto para o suicídio nos filmes de terror e drama japonês. Bem mais prático do que ter que subir até o terraço, cortar os pulsos, ter convulsões com um especial de Pokemon, coisas do tipo. E sabe como japoneses são propensos a essas coisas curtas e práticas...tipo os celulares, pô

Mas eu não, na minha casa não. Qualquer dia desses a senhora do apartamento ao lado manda fazer uma sacada, só pra colocar uns vasinhos, chamar umas senhoras miguxas para jogar dominó, ficar com frio e ir pra dentro da sala. E depois nunca mais ir lá.

E eu que preciso de uma sacada urgentemente, nada. Eu que preciso colocar um banquinho lá e esperar. Eu sei que a chuva vai surgir lá da esquina, vindo na minha direção, me fitando e desafiando. E eu vou continuar na sacada, no banquinho, fechar os olhos quando as primeiras gotas baterem na minha testa, e continuar.

Eu preciso de uma sacada para não poder fechar as janelas para a chuva, nem para o mundo.Eu preciso sacar as coisas da vida de novo, e rápido. Depois da chuva, quem sabe, eu fume um cigarro molhado e apagado e tenha um super insight em francês. Com legendas.