Um dia desses ouvi uma declaração de uma pessoa muito ligada à área de bibliotecas e da leitura. “Os livros não vão acabar. Todos os outros suportes são mais falíveis. Tecnologias mudam de ano em ano. O livro dura centenas de anos”. Escorreu uma lágrima e tive vontade de sair abraçando cada amontoado de celulose que visse pela frente. Mas contive o impulso e pensei que era papo parcial e apaixonado de quem – mostrando obscenamente o acúmulo dos anos com uma falta de acúmulo de cabelos - não conseguiria nunca se adaptar a um e-book.
As novas tecnologias estão aí, afinal. Trilhões de informações assim, antes do macarrão instantâneo ficar pronto. Amigos que foram pra longe bisbilhotam a vida dos amigos que ficaram, e eventualmente lembram por que foram pra longe.
Tantas outras coisas - que fariam com que a vovó risse e batesse com o pé direito no chão, mastigando alguma coisa com o lado direito da boca, e diria “Mas nem a pau!” - características desse belo mundo pós-moderno.
E não pode ficar de fora dessa lista um dos apetrechos mais populares da atualidade, as mensagens de texto do celular. Torpedos, SMS, mensagem, como quiser, e nem que não queira. Essa ferramenta que é, por exemplo, a salvação pra quem lembrou do aniversário de um camarada não tão próximo assim pra se telefonar, mas que provavelmente o destino jogará na sua frente em uma situação irremediável – como em um restaurante a duas mesas de você, uma fila única de um caixa de banco ou uma orgia com as luzes acesas.
É também um grande auxílio para os enamorados de hoje em dia, como não? Antes de dormir, você lembra da pequena, põe uma daquelas piores músicas do Elton John ou qualquer uma do Bon Jovi e escreve a coisa mais cafona que a sintaxe da sua língua natal poderia permitir, mesmo totalmente contrariada.
Alguns relacionamentos têm sua linha histórica escrita na linha histórica da caixa de entrada dos celulares dos pombinhos:
-As fases preliminares, “engraçado, pensei em você, to escrevendo só pra dizer boa noite”. O grande dia, “hoje, 21h, vamos ver aquele filme suuuuper legal que tem um cara que queria muito uma coisa e aparece um outro cara que não deixa ele ter uma coisa e tem aquele menina que odeio o cara, mas no final depois de escapar de um avião em chamas eles ficam juntos? Sucesso de crítica”.
-Os meses seguintes, “Acho melhor amanhã, hoje to um pouco ocupado vendo as partes do teto do meu quarto que precisam de um retoque de tinta”.
-O grande último dia, “Às 19h, no parque, preciso conversar SÉRIO com vc, tipo assim, sério meeesmo...vá sozinho, não leve os tiras”.
Fora as primeiras declarações bobas ou o texto daquela vez que você passou 37 horas junto com a pessoa como reféns num assalto de banco, e quando você chegou em casa teve uma estranha sensação e escreveu: “Já estou com saudades”.
As mensagens monossilábicas que vêm depois das brigas: “Ok, entendi”, “Sim, divirta-se” e “Raiva? Eu?”.
Todas essas historietas que você pode rever nos dias saudosos de chuva, acompanhado de um copo de leite e uns cristais para canalizar toda carga energética decorrente das milhares de mensagens que seu celular comporta. Até que num dia igualmente saudoso e chuvoso, ele se vai, como aquele relacionamento que acabou numa tarde de terça-feira, após uma excelente segunda.
Vai por mim, um dia se vai...o chip, ou o celular todo no caso dos usuários mais cuidadosos. Pode ser roubo, uma queda besta, uma queda nada besta, uma brincadeira de amigos não muito conscientes mais uma piscina mais você de roupa que é a igual a o que nunca se sabe.
Dois anos, talvez três, de brigas e primeiros dias, te odeio, te amo, feliz aniversário, saudade, saudade, saudade, cinema amanhã, parque amanhã, uma conversa despretensiosa e cheia de hormônios, uma conversa séria, uma conversa séria meeeesmo, adeus,
. juro que escreverei mais cartas, de papel, daqui para frente. Boa noite.
terça-feira, 2 de março de 2010
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Um comentário:
Apesar de ficar feliz com os torpedos, juro que vou esperar os manuscritos. Assim, quando ficares famoso como diplomata internacionalmente conhecido, eu poderei mostrar as cartas e dizer...futilidades, essencialidades, ironias e saudades.
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